Em Dezembro celebramos os mês dos Direitos Humanos e hoje trazemos uma entrevista que nos permite reflectir sobre a importância da ação para o clima. Para isso, convidámos a Teresa Núncio, uma jovem ativista que pertence ao coletivo Greve Climática Estudantil Lisboa e tem feito parte de diversos movimentos ativistas.
Quando começou a tua caminhada de sustentabilidade?
Depende um pouco do que entendemos por sustentabilidade. A meu ver, a única forma honesta e realista de ter alguma ação "sustentável" (ou seja, uma ação por um futuro justo, e não o seu contrário) é ter uma ação que procure acabar com o mundo do crescimento económico. Porque uma e outra vez vemos que quem se sai melhor, quem tem mais poder, quem acumula mais riqueza, é quem ignora o que não pode ser ignorado - desde injustiças sociais inconcebíveis até suicídio coletivo em direção a colapso climático.
Só fora desse paradigma, quando as vozes das pessoas falarem mais alto, podemos construir um mundo em que seres humanos trabalham em conjunto para produzir felicidade e segurança e futuro. E este tipo de ação não é possível sozinha, por isso, diria que comecei o caminho (aquele que interessa) há um ano e meio, quando fui pela primeira vez a uma reunião semanal do coletivo Greve Climática Estudantil Lisboa. Desde aí, faltei a muito poucas, e cada vez estou mais envolvida, e mais pessoas e aprendizagens e desafios se juntam. Somos um coletivo de estudantes que se organizam para lutar por justiça climática. Lutar por um mundo que corta emissões antes que seja demasiado tarde, antes que sociedades justas sejam destruídas por catástrofes que poderíamos ter evitado - não fosse a ganância de poucos, complicidade de tantos e inconsciência de muitos.
A caminhada também não é possível sem estar consciente do greenwashing que as empresas e instituições fazem, capazes de enquanto publicitam que são "sustentáveis" e não perdem uma oportunidade de enriquecer à conta de capitalismo fóssil. Não é possível ser sustentável num sistema dependente de combustíveis fósseis. Isolar-me na floresta e ter pegada carbónica nula é - teoricamente - sustentável, mas não resolve os problemas do mundo… É preciso querer transformá-lo. É preciso ativismo.
Ser sustentável é uma "coisa de mulhere"s? Crês que um homem cis que leva uma vida sustentável é visto muitas vezes como menos masculino? Como podemos combater esses estereótipos?
No coletivo onde estou há de facto uma minoria de homens cis, e cada vez mais mulheres e pessoas não binárias. Tem-se vindo a criar desde o início da Greve Climática Estudantil, um ambiente de empoderamento de mulheres, pessoas queer, para além do empoderamento de jovens que está implícito na sua génese. Desde que eu entrei que me apercebi de uma consciência feminista implícita a alguns processos nossos - a forma como moderamos as discussões tendo em conta dinâmicas de poder e como procuramos que haja rotatividade nas responsabilidades e aprendizagens…
Voltando à pergunta, sim, existe um estereótipo de homem forte que chega resolve os problemas sérios, e não se foca no secundário. E a nossa sociedade vê tudo o que seja cuidar do bem comum como secundário. Esse homem ideal foca-se em tecnologias e investimentos que vão fazer crescer a economia e solucionar todos os problemas - mesmo que essa economia e soluções existam num mundo que, segundo o consenso científico, não vai existir.
Por fim, acho que mulheres e pessoas não binárias - e não só - são pessoas a quem este sistema falha mais à partida, que mais frequentemente se percebem das suas falhas e estão dispostas a lutar por uma alternativa.
Para ti, quais são os métodos mais eficazes de ativismo?
Mobilização de massas - olhemos a crise académica de coimbra em 1969. Em pleno regime ditatorial, milhares de estudantes se juntaram e fizeram greve aos exames, encheram as ruas, juntaram-se em massas de protesto que celebramos hoje no dia nacional do estudante. O governo respondeu com violência policial, noites na cadeia, forçando-os a abandonar os estudos e ir combater em África. Os estudantes, mesmo assim, gritaram contra a guerra e contra o regime e, quando finalmente o viram cair, estiveram presentes nas principais lutas políticas e sociais do período revolucionário.
Disrupção - olhemos para as sufragistas. Depois de anos de protestos performativos, demonstrações de vontade popular via manifestações e marchas, apelo institucional a que a lei se tornasse justa, as sufragistas que tiveram de partir muitos vidros para fazer ouvir a sua voz, para justiça ser um tópico mais relevante do que valores patriarcais que eram vistos como intocáveis. E finalmente as mulheres venceram o direito ao voto.
Desobediência civil - olhemos para Rosa Parks. Mulher negra que desobedeceu consciente e corajosamente à lei quando se recusou a ceder o lugar no autocarro a um homem branco. Quando a lei é injusta, o nosso dever é desobedecer. Neste momento é legal destruir as condições de vida de comunidades pobres no sul global para explorar recursos por lucro. Não é legal um movimento pacífico impedir as empresas responsáveis de continuar. Desobedecer é visibilizar este conflito invisível, desmascarar a falsa sensação de paz social.
Muitas vezes sentimo-nos impotentes, pois podemos fazer alterações no nosso quotidiano para sermos mais ecológicos, mas a maior percentagem de poluição é criada através de grandes empresas. Que podemos nós fazer a este respeito?
Acho que a primeira coisa a fazer, aquilo em que as nossas ações têm tentado fazer, é aperceber-nos do quão criminoso e antidemocrático é o paradigma atual. As ações que fazemos pretendem acordar essa indignação, fazer perceber que a crise económica, a crise climática, são fruto de um mesmo sistema em que entregámos toda a responsabilidade de decidir o futuro para as mãos gananciosas de poucos, e raramente lhes exigimos responsabilidades ou impedimos de continuar. É preciso impedir a Galp de continuar. A EDP. A REN. Todas as empresas que enriquecem com a queima de mais combustíveis fósseis estão a ser causa direta de fome e seca para milhões de pessoas. 10 mil pessoas morreram numa única tempestade na Líbia. Uma catástrofe da dimensão do terramoto de 1755 em Lisboa, digna de livro de história, vai se tornar fenómeno semanal no mundo que estamos a construir.
Existem alternativas. Energias renováveis são uma alternativa barata, justa, e limpa. Temos de compreender que as empresas não vão largar mão do dinheiro que apostaram nos seus poços de petróleo e gasodutos, vão usar o seu poder para impedir mudança, influenciar governos, promover violência policial e ofuscar as exigências justas das pessoas. E temos de construir a resistência que lhes faz frente: massas de pessoas que não colaboram, que se recusam a ser cúmplice, que lutam pelo plano compatível com sociedades humanas: energia limpa e democrática controlada pelas comunidades, transportes públicos que as sirvam, empregos que construam as casas, transportes e infraestruturas dessa nova sociedade.
No fundo. A alteração do quotidiano é organização coletiva. É participar no trabalho que está a ser feito por grupos de estudantes, de pessoas trabalhadoras comuns, de cientistas, de jornalistas, de professores… Todas as pessoas têm papel no movimento. É preciso protestar e agir, e é preciso preparar a ação: quando, como, quem, em que termos, com que ambição. Esse devia ser o quotidiano, numa sociedade em emergência climática.
As políticas de sustentabilidade têm sido insuficientes e os actores políticos pouco têm feito. Que podemos fazer para influenciá-los a tomar mais medidas eficazes?
Os atores políticos não vão ser persuadidos a tomar medidas mais eficazes, porque as suas decisões são tomadas segundo um sistema de crescimento económico e prosperidade de empresas. Nestes termos, atores políticos a tomar medidas para proteger os interesses das pessoas são meramente isso: atores. Não é possível fazer política neste sistema sem corromper a natureza de uma democracia. Corrupção, interesses, jogos de poder são parte do manual de instruções deste sistema socioeconómico e político. Não convencemos os políticos a tomar medidas eficazes, deixamo-los sem opção porque a vontade do povo se torna impossível de ignorar ou se faz cumprir com a própria força coletiva.
Se uma pessoa quisesse alterar uma coisa no seu dia-a-dia, o que aconselhavas?
Aconselhava essa pessoa a organizar-se num coletivo por justiça social, ou a colaborar com o trabalho desse coletivo de alguma forma. A meu ver, os coletivos por justiça climática como a Greve Climática Estudantil ou o Climáximo são dos mais ativos neste momento, e que estão a ter mais impacto social.