Mês dos Direitos Humanos – Sustentabilidade

Em Dezembro celebramos os mês dos Direitos Humanos e hoje trazemos uma entrevista que nos permite reflectir sobre a importância da ação para o clima. Para isso, convidámos a Teresa Núncio, uma jovem ativista que pertence ao coletivo Greve Climática Estudantil Lisboa e tem feito parte de diversos movimentos ativistas.

Quando começou a tua caminhada de sustentabilidade?

Depende um pouco do que entendemos por sustentabilidade. A meu ver, a única forma honesta e realista de ter alguma ação "sustentável" (ou seja, uma ação por um futuro justo, e não o seu contrário) é ter uma ação que procure acabar com o mundo do crescimento económico. Porque uma e outra vez vemos que quem se sai melhor, quem tem mais poder, quem acumula mais riqueza, é quem ignora o que não pode ser ignorado - desde injustiças sociais inconcebíveis até suicídio coletivo em direção a colapso climático.

Só fora desse paradigma, quando as vozes das pessoas falarem mais alto, podemos construir um mundo em que seres humanos trabalham em conjunto para produzir felicidade e segurança e futuro. E este tipo de ação não é possível sozinha, por isso, diria que comecei o caminho (aquele que interessa) há um ano e meio, quando fui pela primeira vez a uma reunião semanal do coletivo Greve Climática Estudantil Lisboa. Desde aí, faltei a muito poucas, e cada vez estou mais envolvida, e mais pessoas e aprendizagens e desafios se juntam. Somos um coletivo de estudantes que se organizam para lutar por justiça climática. Lutar por um mundo que corta emissões antes que seja demasiado tarde, antes que sociedades justas sejam destruídas por catástrofes que poderíamos ter evitado - não fosse a ganância de poucos, complicidade de tantos e inconsciência de muitos.

A caminhada também não é possível sem estar consciente do greenwashing que as empresas e instituições fazem, capazes de enquanto publicitam que são "sustentáveis" e não perdem uma oportunidade de enriquecer à conta de capitalismo fóssil. Não é possível ser sustentável num sistema dependente de combustíveis fósseis. Isolar-me na floresta e ter pegada carbónica nula é - teoricamente - sustentável, mas não resolve os problemas do mundo… É preciso querer transformá-lo. É preciso ativismo.

Ser sustentável é uma "coisa de mulhere"s? Crês que um homem cis que leva uma vida sustentável é visto muitas vezes como menos masculino? Como podemos combater esses estereótipos?

No coletivo onde estou há de facto uma minoria de homens cis, e cada vez mais mulheres e pessoas não binárias. Tem-se vindo a criar desde o início da Greve Climática Estudantil, um ambiente de empoderamento de mulheres, pessoas queer, para além do empoderamento de jovens que está implícito na sua génese. Desde que eu entrei que me apercebi de uma consciência feminista implícita a alguns processos nossos - a forma como moderamos as discussões tendo em conta dinâmicas de poder e como procuramos que haja rotatividade nas responsabilidades e aprendizagens…

Voltando à pergunta, sim, existe um estereótipo de homem forte que chega resolve os problemas sérios, e não se foca no secundário. E a nossa sociedade vê tudo o que seja cuidar do bem comum como secundário. Esse homem ideal foca-se em tecnologias e investimentos que vão fazer crescer a economia e solucionar todos os problemas - mesmo que essa economia e soluções existam num mundo que, segundo o consenso científico, não vai existir.

Por fim, acho que mulheres e pessoas não binárias - e não só - são pessoas a quem este sistema falha mais à partida, que mais frequentemente se percebem das suas falhas e estão dispostas a lutar por uma alternativa.

Para ti, quais são os métodos mais eficazes de ativismo?

Mobilização de massas - olhemos a crise académica de coimbra em 1969. Em pleno regime ditatorial, milhares de estudantes se juntaram e fizeram greve aos exames, encheram as ruas, juntaram-se em massas de protesto que celebramos hoje no dia nacional do estudante. O governo respondeu com violência policial, noites na cadeia, forçando-os a abandonar os estudos e ir combater em África. Os estudantes, mesmo assim, gritaram contra a guerra e contra o regime e, quando finalmente o viram cair, estiveram presentes nas principais lutas políticas e sociais do período revolucionário.

Disrupção - olhemos para as sufragistas. Depois de anos de protestos performativos, demonstrações de vontade popular via manifestações e marchas, apelo institucional a que a lei se tornasse justa, as sufragistas que tiveram de partir muitos vidros para fazer ouvir a sua voz, para justiça ser um tópico mais relevante do que valores patriarcais que eram vistos como intocáveis. E finalmente as mulheres venceram o direito ao voto.

Desobediência civil - olhemos para Rosa Parks. Mulher negra que desobedeceu consciente e corajosamente à lei quando se recusou a ceder o lugar no autocarro a um homem branco. Quando a lei é injusta, o nosso dever é desobedecer. Neste momento é legal destruir as condições de vida de comunidades pobres no sul global para explorar recursos por lucro. Não é legal um movimento pacífico impedir as empresas responsáveis de continuar. Desobedecer é visibilizar este conflito invisível, desmascarar a falsa sensação de paz social.

Muitas vezes sentimo-nos impotentes, pois podemos fazer alterações no nosso quotidiano para sermos mais ecológicos, mas a maior percentagem de poluição é criada através de grandes empresas. Que podemos nós fazer a este respeito?

Acho que a primeira coisa a fazer, aquilo em que as nossas ações têm tentado fazer, é aperceber-nos do quão criminoso e antidemocrático é o paradigma atual. As ações que fazemos pretendem acordar essa indignação, fazer perceber que a crise económica, a crise climática, são fruto de um mesmo sistema em que entregámos toda a responsabilidade de decidir o futuro para as mãos gananciosas de poucos, e raramente lhes exigimos responsabilidades ou impedimos de continuar. É preciso impedir a Galp de continuar. A EDP. A REN. Todas as empresas que enriquecem com a queima de mais combustíveis fósseis estão a ser causa direta de fome e seca para milhões de pessoas. 10 mil pessoas morreram numa única tempestade na Líbia. Uma catástrofe da dimensão do terramoto de 1755 em Lisboa, digna de livro de história, vai se tornar fenómeno semanal no mundo que estamos a construir.

Existem alternativas. Energias renováveis são uma alternativa barata, justa, e limpa. Temos de compreender que as empresas não vão largar mão do dinheiro que apostaram nos seus poços de petróleo e gasodutos, vão usar o seu poder para impedir mudança, influenciar governos, promover violência policial e ofuscar as exigências justas das pessoas. E temos de construir a resistência que lhes faz frente: massas de pessoas que não colaboram, que se recusam a ser cúmplice, que lutam pelo plano compatível com sociedades humanas: energia limpa e democrática controlada pelas comunidades, transportes públicos que as sirvam, empregos que construam as casas, transportes e infraestruturas dessa nova sociedade.

No fundo. A alteração do quotidiano é organização coletiva. É participar no trabalho que está a ser feito por grupos de estudantes, de pessoas trabalhadoras comuns, de cientistas, de jornalistas, de professores… Todas as pessoas têm papel no movimento. É preciso protestar e agir, e é preciso preparar a ação: quando, como, quem, em que termos, com que ambição. Esse devia ser o quotidiano, numa sociedade em emergência climática.

As políticas de sustentabilidade têm sido insuficientes e os actores políticos pouco têm feito. Que podemos fazer para influenciá-los a tomar mais medidas eficazes?

Os atores políticos não vão ser persuadidos a tomar medidas mais eficazes, porque as suas decisões são tomadas segundo um sistema de crescimento económico e prosperidade de empresas. Nestes termos, atores políticos a tomar medidas para proteger os interesses das pessoas são meramente isso: atores. Não é possível fazer política neste sistema sem corromper a natureza de uma democracia. Corrupção, interesses, jogos de poder são parte do manual de instruções deste sistema socioeconómico e político. Não convencemos os políticos a tomar medidas eficazes, deixamo-los sem opção porque a vontade do povo se torna impossível de ignorar ou se faz cumprir com a própria força coletiva.

Se uma pessoa quisesse alterar uma coisa no seu dia-a-dia, o que aconselhavas?

Aconselhava essa pessoa a organizar-se num coletivo por justiça social, ou a colaborar com o trabalho desse coletivo de alguma forma. A meu ver, os coletivos por justiça climática como a Greve Climática Estudantil ou o Climáximo são dos mais ativos neste momento, e que estão a ter mais impacto social.

Mês dos Direitos Humanos – Migração

Este mês - Dezembro - celebramos os Direitos Humanos e hoje trazemos até vocês uma entrevista que nos permite reflectir sobre Migração com especial foco nos direitos de pessoas em situação irregular. A Teresa Valente é uma jovem que já teve várias experiências internacionais que lhe permitiram viver em diferentes países. Em França fez um CES nesta área e atualmente trabalha como integradora social de pessoas migrantes em situação irregular. 

Como começou a tua jornada na área da migração? 

Quando tinha 17 fui para Inglaterra estudar, e a partir de aí comecei a ter mais noção de migração e ser imigrante, neste caso em situação regular. Isto foi o início da minha experiência, em migração, o estar longe da família, adaptar-se a uma nova cultura, novo idioma, entre muitos outros desafios. Depois já vivi em França e agora vivo em Espanha. A minha experiência pessoal foi o primeiro contacto mas só me mostrou um pouco, de um tema que engloba variados aspectos.

Em 2021, começou a minha jornada na area da migração, a nível profissional, mudei-me para França e estive um ano na Cruz Vermelha Francesa. Aqui foi o meu primeiro contacto com outro aspecto de migração, migração irregular. E depois mudei-me para Espanha, onde sou integradora social de pessoas migrantes em situação irregular. 

No artigo "Integração (ou a falta dela) no Gerador referes a tua dificuldade de ser migrante em situação regular. De que forma as tuas experiências internacionais moldaram os teus valores e a tua sobre pessoas migrantes?

Sem dúvida, todas as minhas experiências e pessoas que conheci moldaram a pessoa que sou. Desde que me mudei para Inglaterra houve uma mudança. Eu cresci numa cidade, que na altura, era pouco diversa e com baixos níveis de  imigração. Sempre tive uma grande admiração por emigrantes, mas quando passas por  situações, isso é uma coisa completamente diferente. Situações de discriminação em autocarros, ou ter dificuldade em aceder ao médico porque me negaram um tradutor num sistema de saúde que não está preparada para receber imigrantes. Ser imigrante, também é um trunfo pois ajuda-me a relacionar com as pessoas com quem trabalho, pois partilhamos este rótulo de imigrante e perceber melhor as suas dificuldades, apesar de estarmos em situações distintas da migração.

Nas nossas sociedades há muitos estereótipos negativos relativamente aos migrantes. De que forma podemos combater estas opiniões?

Para mim, o mais importante é estarmos bem informados. Ouvimos e lemos tanta informação nos meios de comunicação social e nas redes sociais que não é verdade. Lemos ou ouvimos e não nos damos ao trabalho de verificar a veracidade. Por isso, recomendo verificar a informação em páginas fidedignas. E, quando ouvimos um amigo ou familiar dizer estereótipos negativos relativamente a imigrantes, não ignorar e rebater.

Que papel uma pessoa deve ter para promover a integração? Como podemos ser ativistas nesta área mesmo que apenas “ativista de sofá”?

Vou repetir o que já disse na questão anterior, e acredito que o mais importante é estar informado e partilhar essa informação nas redes sociais pode ser uma maneira de “ativismo de sofá”. Porém, podemos fazer muito mais. As pessoas cidadãs da sociedade de “acolhimento”, tem um papel fundamental na integração de imigrantes. Quantas vezes não ouvimos “Eles não querem se integrar?” ou “São eles que se têm de adaptar”. Mas, muitas vezes, as pessoas da sociedade de “acolhimento”, não criam espaços para que as pessoas migrantes se integrem e até os excluem, não querendo relacionar-se. Criar espaços de diálogo e oportunidade para imigrantes é essencial.  

O que responder a alguém que é contra a migração irregular?

Primeiro, mostrar-lhe os factos que a migração sempre existiu e que a migração não é um ataque à nossa sociedade. Mostrar-lhe os benefícios da migração pode ajudar, pois somos seres egoístas pensando sempre no melhor para nós. E desconstruir os estereótipos negativos que tenha. Segundo, questionar a pessoa se fosse ela? Como se sentiria? 

No teu trabalho nesta área tens alguma história que te tenha marcado e que gostasses de partilhar?

Várias histórias marcaram-me ao longo dos últimos anos. De violência policial, barcos afundados, perdas humanas e muito mais. Mas visto que estamos a falar de integração, queria partilhar a história de um amigo meu que um dia veio passar uma tarde com os jovens com quem trabalho. E foi uma atividade simples, ele era italiano, então preparou pizzas italianas com os jovens. E os jovens ensinaram-lhe a fazer pizzas Bereber, típicas da sua cultura. No final, o meu amigo disse-me “Creio que quem é contra migração irregular, viesse partilhar momentos com os jovens, mudava de opinião”. Partilho esta história, pois como já mencionei anteriormente para existir integração tem de existir abertura e disponibilidade de ambos, e não só de imigrantes.

Uma recomendação de um livro.

Vou recomendar dois, um que já li, e outro que está na minha lista para ler. “The Kite runner” de Khaled Hosseini, um dos meus preferidos. “How migration works”, de Hein de Haas. Ainda não li o livro, saiu à pouco tempo mas está na minha lista. Este livro desconstrói estereótipos e mitos falsos que a sociedade tem sobre a migração, o que nos pode ajudar no nosso ativismo. 

Mês dos Direitos Humanos – Democracia

Este mês - Dezembro - celebramos os Direitos Humanos e hoje trazemos uma entrevista que nos permite reflectir sobre Democracia. Para isso, convidámos o João Morgado, o atual Presidente da JSD de Abrantes e membro da Assembleia de Freguesia da União de Freguesias de São Miguel do Rio Torto e de Rossio ao Sul do Tejo.

De onde surgiu o teu interesse por política?

No liceu. Mas não só. Começou em casa sem me aperceber bem. Cada vez que, ainda em adolescente conversava com o meu pai sobre o estado do país e de que forma o país poderia estar melhor. Na escola o estímulo foi mais intenso, com atividades muito ligadas à cidadania ativa como o Parlamento dos Jovens.

Porque decidiste entrar para uma juventude partidária? Não pensas que as juventudes partidárias são elitistas ou pensas que representam todos os jovens?

Decidi entrar porque sempre achei que se queremos mudar alguma coisa temos que dar de nós para a mudança. Existem várias formas, seja através do associativismo ou do ativismo, mas achei que o que faria mais sentido seria dentro de um partido político.

Quanto à segunda parte da pergunta eu acho que não. Uma coisa é os partidos estarem distantes das pessoas, outra é serem estruturas elitistas. Não é isso que devem ser. A JSD, a JS ou qualquer outra juventude partidária devem representar todos os jovens que se identificam com os partidos e com as ideologias e as suas propostas. É difícil numa democracia existir uma instituição que represente TODOS, e ainda bem que o pluralismo das ideias encontra sempre pessoas diferentes para o defender de diferentes formas.

Como jovem que é membro de uma Assembleia de Freguesia, como te sentes num meio ainda dominado por pessoas mais velhas?

Senti na campanha eleitoral e sinto nos comentários feitos sobre a minha idade, que são deselegantes. A idade não pode nem é sinónimo de maior maturidade ou maior conhecimento. A experiência ajuda bastante, mas não chega para se desempenhar bem um cargo político. Mas sinto me bastante motivado sobretudo pelas pessoas que me vão dando força para continuar e que a cada dia que passa vão esquecendo as barreiras da idade e já me reconhecem como alguém capaz de desempenhar o cargo a que me propus.

A abstenção continua a ser um problema em Portugal, especialmente entre os jovens, porquê?

Creio que a Abstenção é um fenómeno de resposta ao descontentamento com a democracia, e sim é um problema. No entanto as taxas de abstenção variam de eleição para eleição. Normalmente quando as eleições são mais disputadas elas tendem a descer. A única forma de no curto prazo resolver o problema será instituir o voto obrigatório, solução com a qual não concordo, pois apesar de levar à redução da abstenção pode gerar uma maior polarização.

Será que os jovens não estão interessados em política ou que a classe política não faz o suficiente para atrair os jovens?

 É uma “pescadinha de rabo na boca”. Os jovens tem outros interesses e os políticos não fazem o suficiente para os atrair. Dar se a conhecer, buscarem estar próximo não só dos jovens mas de toda a população pode ser uma forma. Da trabalho mas pode trazer resultados. Debates nas escolas secundárias, envolver os jovens em atividades cívicas que acabem por mostrar que a chave da mudança passará sempre pela política.

Como podemos atrair mais jovens?

Já dei algumas sugestões nas questões anteriores. Tive a sorte de crescer num ambiente onde se conversava sobre política, nem todos temos essa sorte. Há pais que não se interessam, logo os filhos têm de receber o estímulo por outro lado, a escola e as redes sociais tem um papel preponderante nisso. A política não é tão complicada de perceber, mas é preciso que alguém explique isso.

Tu vives no interior de Portugal, como podemos garantir que o interior, principalmente os jovens que aí vivem, não são esquecidos?

Primeiro que tudo são discriminados e não há que ter medo de dize-lo. Aliás é importante dize-lo. Mas isso não deve desmotivar nem os jovens nem os decisores de lutar pelas suas terras. Creio que uma desconcentração e a mudança de alguns serviços para outras cidades poderá ajudar. Se for criada uma política de discriminação positiva as empresas que se instalem e paguem impostos em territórios com baixa densidade populacional, por exemplo, poderá ser uma solução para garantir que os jovens do interior não ficam esquecidos.

O número de regimes autocráticos está a aumentar no mundo, acreditas que a democracia em Portugal pode estar em risco?

 Não quero acreditar nisso, apesar de concordar. De dia para dia vemos ataques à democracia, seja pela confusão entre o que é público e o que é partidário, seja pelas atitudes injustificadas de muitos atores políticos. A renovação das caras dos partidos poderá ser um incentivo para recuperar a confiança dos portugueses.

 E que pode cada um de nós fazer para salvaguardar a democracia portuguesa?

Não fugir de falar sobre os temas da atualidade quando estamos com amigos na mesa de um café, votar, associarmo-nos a causas com as quais concordamos, seja o ambiente, a habitação, a literária financeira, a digitalização, ou até um partido político.

Uma recomendação de um livro.

Quando me perguntam isto normalmente respondo o livro que estou a ler, neste caso estou a terminar “A Confissão da Leoa” de Mia Couto, mas também outro que comecei a ler “O Descontentamento da Democracia” de Michael J Sandel.

Mês dos Direitos Humanos – Feminismo

Este mês - Dezembro - celebramos os Direitos Humanos e começamos por trazer uma entrevista que nos permite reflectir sobre Feminismo. Para isso, convidámos a Raquel Serdoura, uma jovem ativista interseccional que participa debates, eventos ou em palestras com o objetivo de sensibilizar o maior número de pessoas sobre a importância do feminismo. Actualmente, a Raquel trabalha na Inspiring Girls Portugal enquanto Coordenadora de de Parcerias e Angariação de Fundos.

Em que momento sentiste que eras feminista? 

Sinto que isto é um pouco triste de se dizer, mas senti-me verdadeiramente feminista a partir dos 11 anos quando comecei a reparar que os rapazes gozavam e desrespeitavam os corpos das raparigas. Até aí nunca tinha compreendido verdadeiramente, mas a partir do momento que me assediaram na rua com essa idade, percebi que as mulheres (especialmente as jovens) não são vistas da mesma forma. A injustiça sempre me fez confusão, especialmente sofrermos por algo que não temos controlo em escolher.

Para ti, por que razão (razões) o feminismo continua a ser atual no mundo de hoje?

Eu costumo dizer que enquanto uma mulher sofrer violência, todas sofremos. Apesar dos sucessos alcançados em muitos países, esta não é uma realidade universal. Casamento forçado e infantil, incapacidade de estudar, não acesso ao aborto, assédio sexual, violência com base no género são realidades diárias para muitas raparigas e mulheres no mundo. E o pior é que nem os homens estão a imunes a este sistema machista. Os homens têm as maiores de taxas de suicídio, de tempo na prisão e acidentes de viação. Em grande parte influenciado por uma teoria que diz que estes devem reprimir os seus sentimentos e qualquer atitude que seja remotamente “feminina”. Agora, como é que o feminismo pode ajudá-los? Fazendo-os perceber que o nosso género não é (nem deve ser) uma pré-condição para fazermos aquilo que seja. O feminismo é também uma luta de liberdade: A liberdade de fazermos o que queremos e sermos quem sermos. Enquanto uma mulher (e qualquer outra identidade de género) não poder ser verdadeiramente livre para escolher o seu futuro, o feminismo será necessário.

As mulheres têm mais tendência a sofrer de síndrome de impostor que os homens. Já sofreste/sofres de síndrome de impostor? E como fazes para combatê-la?

Já a música diz "É um mundo de homens, mas não seria nada sem uma mulher ou rapariga". E a questão é que o mundo não é lugar inclusivo, nós é o que temos de o tornar assim. Apesar de tudo o que nós fazemos e que tivemos de fazer, parece existir uma vozinha dentro de nós a dizer " Nada do que tu fazes é bom suficiente". E eu sei bem o que isso é. As mulheres são ensinadas a não levantar a voz para não serem "agressivas" ou "brutas". Este tipo de pensamento que diz que temos de ser recoletadas e passivas faz com que acabemos por duvidar de nós próprias quando queremos expressar aquilo que pensemos. No meu caso, o primeiro passo foi reconhecer que tenho síndrome de impostora . Porque muitas de nós também têm vergonha de o admitir, uma vez que isso parece uma fraqueza. Mas não é! O sistema está feito contra nós. Ele não nos quer confiantes e felizes. E cabe a nós combater isso. Agora, como é (que tento) combater o síndrome de impostora? Dizendo em voz alta que sei o meu valor. Várias pessoas já acreditam em mim, porque é que haveria de dizer que elas estão erradas? É verdade que tenho fraquezas (como todas as pessoas), mas isso não faz com que as minhas forças sejam de menor valor. Se estou na posição em que estou e faço o que faço é porque eu sou boa naquilo que faço. A nossa cultura confunde muito humildade com falsa modéstia. Reconhecer que somos boas a fazer alguma coisa não é arrogância, mas um reconhecimento das nossas capacidades.

Qual pensas ser o melhor método de ativismo pelo feminismo?

Às vezes simples é melhor. Efetivamente, estamos onde estamos em termos de direitos das mulheres por causa da cultura existente. Antes do 25 de abril, as mulheres não podiam viajar sozinhas e a violência doméstica nem era crime. Mas a cultura mudou, e percebeu-se (pelo menos a nível jurídico em Portugal) que as mulheres também são sujeitos de direitos! Por isso, acredito que uma forma muito simples de fazer a mudança é falar sobre estes assuntos em casa e nos espaços onde estamos. Debater com os nossos pais, avós, amigos e colegas, faz com que estes estejam abertos a outras perspetivas e talvez mudem a sua atitude. Não nasci na familía mais feminista ou progressista do mundo, mas depois de eu começar a trazer estes assuntos para casa, os meus pais ficaram muito sensíveis a estas temáticas e progressivamente, foram-se tornando mais feministas. Como costumam dizer "Podes não mudar o mundo, mas o mundo precisa de tudo aquilo que podes fazer!"

E alguém que não gosta de se juntar a grupos ou prefere contribuir para a causa mais discretamente. Que pode fazer?

Compreendo que existam pessoas que talvez queiram ser mais discretas, mas acho importante referir que se a mudança acontecer é porque é coletiva. Todos nós temos um papel a desempenhar, mas este ainda pode ser mais ampliado se nos unirmos a outras. De qualquer forma, caso ainda não estejam prontas para isso, podem sempre assinar petições, ir a manifestações, falar destes assuntos, ler livros sobre o tema, apoiar monetariamente causas que defendem os direitos das mulheres ... Como disse todos temos um papel, e este pode ser adaptado a cada uma de nós.

Todos já lidamos com comentários negativos ou piadas machistas de familiares ou amigos. Como reages nestas situações? 

Na minha opinião, várias abordagens podem ser praticadas. É normal que se eu me sentir atacada ou derespeitada, eu tente defender-me. Esperar que as pessoas (especialmente mulheres) fiquem sempre calmas e compostas não é correto. No meu caso pessoal, eu tento perceber o que é que a pessoa acha graça ao dizer tal piada. Quando começamos a fazer perguntas sobre os preconceitos que as levaram a dizer algo assim, elas não conseguem bem explicar. Se ela não consegue explicar o porquê de achar piada sem se sentir mal, secalhar é porque a piada não tem assim tanta piada.

Trabalhas para a Inspiring Girls Portugal. Como podemos motivar e inspirar as gerações mais novas?

 No caso da Inspiring Girls nós temos uma abordagem focada em desconstruir estereótipos ligados às profissões, através do contacto entre jovens e mulheres profissionais. A nossa filosofia baseia-se no "If you can see it, you can be it!" (Se consegues ver, consegues ser!). A verdade é que ainda hoje ainda vemos na televisão a primeira vez que uma mulher entrou num ramo profissional (sendo que Portugal nunca teve uma Presidente da República). Por isso, gostamos de mostrar diferentes mulheres que fizeram a sua carreira, de formas diferentes. As gerações mais novas para se sentirem inspiradas também precisam de se ver representadas. A representação e representatividade é muito importante para que as gerações mais jovens se sintam capazes elas mesmas de seguirem os seus sonhos. E isto vale tanto para uma menina que queira ser uma astronauta como para um menino que queira ser um educador de infância.

Consideras-te feminista interseccional. Porque é a interseccionalidade tão importante no feminismo?

Ao contrário do que muita gente pensa, o feminismo não é sobre sermos todas "idênticas" e ignorarmos as nossas diferências pessoais. Claro que todos somos pessoas únicas, mas temos em comum o facto de sermos pessoas. E como pessoas, vamos ter fatores que nos diferenciam. Agora, não é por termos fatores diferenciadores que deveríamos ser discriminados. Daí a importância da interseccionalidade. Há várias camadas à pessoa que somos, e com isso diferentes dificuldades. Uma mulher com deficiência não têm as mesmas facilidades que uma mulher que não tenha. Uma mulher trans não têm as mesmas facilidades que uma mulher cis. Uma mulher migrante não têm as mesmas facilidades que uma mulher que não o seja. Infelizmente, as nossas diferenças vão-se acumulando e muitas vezes em vez de serem vistas como forças, são vistas como fraquezas. Assim, o feminismo interseccional é super importante porque faz-nos compreender que precisamos de soluções compreensivas e inclusivas. O conceito de "Mulher" engloba em si também muitas formas de diferentes de ser mulher e o nosso feminismo se quer emancipar todas as mulheres, têm de compreender isso.

E achas que o feminismo já é inclusivo o suficiente? Que mais podemos fazer para que seja mais inclusivo?

O feminismo não é algo estanque, mas sim algo que foi sempre evoluindo. Por exemplo, a primeira vaga focou-se muita na questão dos direitos políticos e civis, contudo especificamente para mulheres de classe média-alta, brancas e com educação. A partir daí, o conceito foi-se abrangendo para ser aquele que é hoje (ainda que algumas pessoas rejeitem essa inclusão). Podemos ser sempre mais inclusivos, se bem que não sei o que isso vai implicar e que não tenha sido já sugerido (reconhecimento espaço de fala, inclusão nos projetos de decisão, por exemplo). Por exemplo, ao longo deste texto procurei fazer uma mistura entre o feminino e o neutro para ser mais inclusiva, mas também poderia ter usado o sistema "e" que engloba todes. O mais importante é que nós ouçamos uns aos outros e procuremos encontrar uma forma de inclusão em conjunto.

Uma recomendação de um livro.

Já está na altura de o reler, mas recomendo o Bad Feminist da Roxane Gay. O livro fala sobre a dificuldade de se ser uma feminista num mundo que não o é, mas também como não nos devemos sentir necessariamente culpadas porque gostamos de determinada música ou filme, ainda que não seja feminista (Acreditem, existem imensos) . A verdade é que nenhuma de nós é perfeita. Estamos a tentar mudar o mundo para um lugar que seja melhor para todas as pessoas e isso é complicado. O mais importante é que tentamos sempre melhorar e aprender e não necessariamente apontar o dedo a quem ainda não começou o seu caminho.

O meu Bairro em Fotografias 

O meio artístico e criativo como agente de mudança cívica é a frase perfeita para resumir o que foi possível aprender durante o projeto “O meu Bairro em Fotografias”, uma atividade organizada pela Associação Youth Cluster e promovida pelo IPDJ. 

A Youth Cluster é uma das associações juvenis mais ativas em Portugal e tem vindo a, ao longo do seu percurso, promover ações que incentivam o pensamento crítico e o desenvolvimento e criação de uma geração de ativistas cada vez mais conscientes e informados social, político e ecologicamente. 

“O meu Bairro em Fotografias” foi uma iniciativa que permitiu conectar diversas pessoas e temas, tendo sempre como base o diálogo e discussão de tópicos tão importantes para uma melhor sociedade como o civismo, a sustentabilidade e a consciencialização, utilizando a fotografia como veículo de debate. 

A atividade foi organizada de um modo muito acessível. A disponibilidade e partilha de conhecimento por parte da equipa da Youth Cluster foi um incentivo à nossa presença em todas as sessões. Juntaram-se participantes de norte a sul do país, das grandes cidades urbanas a pequenas vilas com um ambiente mais rural. Dentro deste universo foi surpreendente verificar que há problemas que são transversais a todas as realidades como a falta de  acessibilidade nas ruas, o lixo pelo chão e por recolher, o aumento da poluição e a falta de espaços verdes, problemas constantes por todo o país.

Foi-nos dada uma câmara fotográfica descartável e a indicação para fotografarmos o nosso bairro. Os participantes puderam vivenciar a sua comunidade através de um outro olhar, mais atento, mais alerta e mais crítico. A partir de todas as apresentações feitas durante o projeto, foi possível aprender sobre diversos modos de ver, orientados através das temáticas propostas, enquanto ganhávamos competências ao nível de técnicas fotográficas. Ao longo das quatro sessões online outros conteúdos foram expostos: desde os grandes nomes da fotografia a conceitos de civismo e sustentabilidade. 

Durante o projeto, através de apresentações e debates, entendemos o que podem ser os vários modos de agir mais diretamente na sociedade: informarmo-nos, comentar a atualidade, manifestarmo-nos, exercer o nosso direito ao voto; criar elos de relação com associações e entidades locais - juntas de freguesia, municípios e etc. -, contribuir ativamente para a implementação de ações decorrentes de orçamentos participativos. Ações, por vezes desconhecidas, mas que são motores para uma mudança mais eficaz da realidade. 

Foi muito gratificante ter podido participar numa atividade tão informativa e relevante nos dias que correm. Obrigada Youth Cluster.

Beatriz Bibas

O estágio que me levou até ao Alentejo

Em junho de 2020, estava eu a terminar a Licenciatura em Design e Tecnologia das Artes Gráficas, do Instituto Politécnico de Tomar (IPT). Para além do nervosismo e da falta de confiança ao entrar no mercado do trabalho, a Pandemia SARS-CoV-2, só veio atrapalhar mais o processo... Entre confinamentos e muitas entrevistas online, não estava de todo a ser fácil encontrar trabalho / estágio. Meses foram passando e, finalmente, em fevereiro de 2021, recebo uma notificação no e-mail de que tinha passado à próxima fase do procedimento, neste caso, à entrevista. E é assim que começa uma nova fase da minha vida, fazendo um estágio PEPAL na Câmara Municipal de Montemor-o-Novo.

Ainda em plena Pandemia, com as restrições entre concelhos, lá vou eu, com o nervoso miudinho, para o Alentejo, para a querida cidade que me recebeu tão bem —  Montemor-o-Novo. 

Chegando o primeiro dia de estágio, fui muito bem acolhida por todos os presentes, incluindo o Vereador responsável pelo Gabinete de Comunicação. Fui, com o meu orientador de estágio, fazer uma visita aos vários serviços da Câmara, dentro e fora do edifício municipal, o que me deixou mais à vontade e esclarecida quanto às suas localizações e colegas de trabalho. Pouco a pouco fui conhecendo melhor o Executivo e as metodologias de trabalho numa Câmara Municipal.

Desde logo, depositaram muita confiança em mim e se disponibilizaram para me ajudar no que fosse preciso, quer fosse de carácter pessoal ou profissional. Pois estando eu longe da família e amigos (pela primeira vez), conseguiram criar um ambiente mais familiar para que eu me sentisse bem. Sinto-me lisonjeada por ter tido a sorte de encontrar um estágio na área em que me especializei e com tão bom ambiente.

O trabalho foi surgindo e acabei por fazer um pouco de tudo desde cartazes, flyers, outdoors, mupis, identidades visuais, anúncios para jornais, brochuras, motion graphics, gravação de voz off, filmagens de vídeos e merchandising. Portanto, como estagiária, sempre me deram trabalho ao ponto de ter um papel muito ativo no gabinete.

Aproveitando o facto de estar numa cidade que nunca tinha visitado, sempre tive a curiosidade e a disponibilidade para me dirigir a vários momentos culturais, tanto dentro da cidade como nas freguesias circundantes. Assistindo a espetáculos de teatro, ouvindo música filarmónica, conhecendo as paisagens típicas com as casas brancas baixinhas com detalhes a azul, visitando o vasto património cultural, entre muitas outras atividades existentes neste concelho.

Ao longo do período do estágio foram feitas avaliações por parte do meu orientador, sendo estas, uma das partes mais burocráticas dos estágios PEPAL.

A meio do estágio, com a mudança do Executivo, vieram também mudanças na organização dos trabalhos e na linha gráfica do Município. Mas a relação entre o novo Executivo e os trabalhadores da Câmara manteve-se sempre muito profissional e com base na confiança do trabalho coletivo.

Foi, sem dúvida, uma boa experiência e recomendo a todos os que possam ter essa oportunidade. Para além do crescimento pessoal, obtive também muita experiência profissional, com um vasto leque de trabalhos realizados, e melhorei imenso as minhas aptidões de comunicação, resultando em boas relações com os colegas (no próprio gabinete e de outros serviços) bem como com o Executivo e fornecedores. 

Com vista em continuar por Montemor-o-Novo, o estágio PEPAL, veio abrir portas para o meu futuro.

Soraia Matos

Uma Summer School dos tempos modernos

Enquanto estudante de Direito Internacional e Europeu, direito das migrações e refugiados sempre foi a minha área de eleição. Sendo estes problemas são tão percetíveis e prementes na nossa sociedade e nas nossas comunidades, sempre tentei perceber como ajudar e trabalho e estudo diariamente para fazer um mundo melhor. 

Nesta constante procura por novas oportunidades de adquirir conhecimentos, frequentei, no passado mês de Agosto de 2022, a Summer School on Refugee Rights and Migration: Conflicts as a Cause of Displacement” organizada pelo Refugee Law and Migration Center da Universidade de Skopje, na Macedónia do Norte, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, a UN Refugee Agency's Representation da Macedónia do Norte e o International Institute of Humanitarian Law of Sanremo, Italy. 

As Summer School, ou Escolas de Verão, são pequenos cursos intensivos sobre um tema específico, combinados normalmente com atividades extracurriculares e que, como o nome indica, têm lugar durante o Verão, entre semestres da faculdade. O seu objetivo é, para além da aquisição de novos conhecimentos, o networking entre estudantes internacionais que prosseguem a mesma linha de estudo e que se encontram nestes programas para trocar ideias e perceções sobre os temas a que se dedicam. 

Esta não foi a primeira Summer School que fiz parte, mas foi a primeira Summer School Internacional que participei. Anteriormente fiz cursos de verão e escolas de verão em universidades portuguesas, as quais muito recomendo, principalmente a quem, como eu, não consegue despender de algumas centenas de euros para viajar até outro país durante uma ou duas semanas no Verão. No entanto, e felizmente, muitas são as summer schools com programas de bolsas para aqueles que mais necessitam, dando oportunidade a todos para as frequentar. 

Esta Summer School foi, no entanto, inovadora: foi completamente remota, tendo sido utilizados os meios online a que a Pandemia nos introduziu nestes últimos anos. Embora esta modalidade acabe por nos impedir de criar conexões interpessoais com os demais participantes e de ter atividades extracurriculares mais entusiasmantes, como tours ou eventos de networking, trouxe também alguns benefícios. Aliado a ser remota, esta summer school foi também completamente gratuita.  

Assim, os participantes acabaram por ter backgrounds muito diferentes das normais summer school presenciais e com (às vezes) custos elevados associados. Os participantes e oradores vinham de cada canto do mundo, unidos ali pela paixão comum por direitos humanos, migrações e refugiados.  

Assim, acabei esta semana de coração cheio.  Foram 5 dias intensivos, de partilha com quase 80 participantes, diversos oradores, todos juntos na procura de mais conhecimentos, partilhas, networking, novas oportunidades e novas perceções e perspetivas nos conhecimentos pré-adquiridos. Foi uma experiência que definitivamente pretendo repetir, esperando numa próxima poder estar presencialmente com aqueles que conheci e com quem compartilhei esta semana tão enriquecedora!

Maria João Andrade

À bientôt Bordeaux

“…E, de repente, dou por mim  e estou sentado à mesa a jantar com jovens vindos de 17 países diferentes…” 

Para vos dar um contexto, devo dizer que sempre tive como um dos meus objetivos pessoais ter uma experiência de trabalho ou voluntariado no estrangeiro. Esta oportunidade surgiu no verão passado, quando decidi repentinamente partir para Bordéus, no sudoeste de França, ao abrigo do Programa do Corpo Europeu de Solidariedade, onde fiz parte de diversos projetos na área da Ação Social e da juventude da Cruz Vermelha Francesa (CRF) em Bordéus.

Bordéus… uma cidade muito conhecida na europa pela qualidade do seu vinho. É apelidada por muitos de “Mini Paris” não só pela semelhança na sua arquitetura mas também por ser a cidade preferencial dos parisienses para passarem férias ou, em muitos casos, trabalhar. É uma cidade encantadora, muito desenvolvida no que toca à acessibilidade e mobilidade, conseguia  fazer todos os meus percursos de bicicleta com muita facilidade, por ser uma cidade plana e também por haver ciclovias por todos os cantos da cidade !

Entre todos os projetos que pude participar, destaco um, o “Projet Genies” no qual tive a oportunidade de intervir na gestão e na sua implementação. O Genies foi um seminário de uma semana criada e organizada pelos voluntários da CRF em Bordéus e onde reunimos jovens de 17 países  europeus com o intuito de criar planos de ação na luta contra as alterações climáticas. 

Foi aqui que me dei conta da sorte que tinha. Estava a partilhar um espaço com jovens de países e culturas totalmente diferentes mas que tinham um objetivo único e bem vincado, promover a mudança fazendo ecoar a voz dos jovens pela Europa.

Fui enganado, ou pelo menos, enganei-me em relação ao que esperava desta experiência. O impacto local transformou-se também num impacto mais abrangente do que eu esperava. 

Esta experiência foi riquíssima em termos das competências pessoais e profissionais que pude adquirir, riquíssima na sua multiculturalidade, aprendi muito sobre os outros através das vivências e da partilha de experiências, mas também aprendi muito sobre mim próprio. 

Importante não esquecer de mencionar as fantásticas aulas de francês, úteis para melhorar o meu francês e igualmente importante no que toca à adaptação cultural. Sabiam que o famoso pain au chocolat em Bordéus é apelidado de chocolatine? Pois, eu também não sabia até ser repreendido numa padaria.

Foi uma experiência numa cidade que se tornou numa segunda casa e com amigos que se tornaram numa segunda família. A vontade de ficar ia aumentando a cada mês que passava e hoje, agora, no momento que estou a escrever, penso em voltar a Bordéus, voltar à cidade que me acolheu nos últimos 12 meses. Apesar de considerar estar ainda longe do que realmente quero fazer no futuro, estou sem dúvida um passo mais perto. Foi um passo gigante no qual não me arrependo nem um momento. À bientôt Bordeaux.

Odair Alvarenga

Voluntariado pelas raízes e para os frutos – VJNF

O VJNF é apresentado como um programa dedicado à preservação dos nossos ecossistemas e à sensibilização das populações para problemáticas fraturantes como os incêndios florestais ou a perda de biodiversidade. Não obstante, cada promotor, cada grupo de voluntários, tem a capacidade de levar estas premissas para fora da caixa e criar projetos valiosos. Tal sucedeu com a minha experiência no #VBB_ZERO.

De entre as várias formas de impacto que os programas de voluntariado podem ter, os VJNF, e em particular o #VBB_ZERO, alimentam o mais puro efeito multiplicador do trabalho com/para comunidades.

Estejamos nós a apoiar aldeias ou cidades, a nossa ligação com a natureza é inegável. Assim, os esforços feitos pela sua preservação e valorização trazem sempre frutos para a comunidade. Por outro lado, as vantagens pessoais são diversas:

  • Contribuir para a criação de um bem comum – Rede de percursos pedestres. Para além disto gerar em mim um espírito de realização e de partilha únicos, ainda me dá a vantagem de saber os atalhos para encurtar aquelas caminhadas que já começam a ficar longas demais.
  • Ficar a conhecer lugares especiais aprofundando a minha ligação com a minha comunidade, e permitindo-me conhecer os spots instagramáveis que nem a NIT ainda conhece!
  • Adquirir conhecimentos práticos sobre a biodiversidade local. Para além do projeto capacitar de forma participativa os jovens a estudar e trabalhar nesta área, ainda proporciona uma oportunidade de aprendizagem transversal a pessoas com outras áreas de formação – sendo o meu caso. 

Tudo isto demonstra o valor desta oportunidade para fazer crescer em nós uma forma diferente de ver os espaços que habitamos e as comunidades com que contactamos. Para as pessoas da minha geração, interessadas em criar ambientes mais participativos, inclusivos e sustentáveis, projetos como o #VBB_ZERO tornam-se experiências realizadoras.

Na verdade, este projeto foi de tal modo impactante para Vila Boa do Bispo, que a sua Junta de Freguesia se inspirou neste trabalho para desenvolver a sua estratégia inteligente para o desenvolvimento de uma comunidade mais sustentável e inclusiva. Hoje, o #VBB_ZERO 2020 já vai na sua terceira edição e tem servido como uma incubadora de ativismo cívico visto que a Junta mantém o contacto com os jovens envolvidos no projeto, para continuar a dinamizar atividades e iniciativas nas áreas de juventude, cidadania e ambiente.

No fundo, pretendo partilhar através do meu testemunho o espírito especial que os VJNF e, em particular o #VBB_ZERO, têm a capacidade de criar: O ambiente informal de convívio e de partilha de experiências; O espaço para troca de ideias pela valorização dos recursos; A nuvem de resultados impactantes para o desenvolvimento das comunidades. Estes tornam-se projetos que nos permitem deixar nas comunidades uma marca pessoal, de uma forma verdadeiramente altruísta – no caso da nossa equipa de voluntários, deixamos pela freguesia fotografias do nosso trabalho, para que os locais pudessem associar uma cara aos esforços que foram feitos.

Francisco Carneiro

Conversa sobre a Geração Z

Acho que é importante começar a história pelo início, o “era uma vez”, e neste caso: era uma vez um dia de primavera, em que um jovem com vontade de ajudar - eu - decidiu sair de casa e ir até Setúbal, onde encontrou os outros heróis desta história, os seus colegas da ACNI - Associação Cultural Novas Ideias, e o chefe, que lhes disse que os jovens também podem trabalham! E mais importante, que confiava neles para fazer todo o trabalho, incluindo a planificação do projeto, a escrita da candidatura, um primeiro teste do mesmo, a replicação, implementar feedback e a disseminação, para que não sejamos os únicos a trabalhar! Mas que projeto é este? Como tudo o resto coube aos heróis desta história decidir, e acreditem, foi um desafio, pois os temas que queriam abordar eram inúmeros.

Acabando por escolher o tema de Cyber-bullying, por dois grandes motivos: tema atual e bastante propagado, uma vez que a maioria dos jovens assistem regularmente a casos de cyberbullying. No entanto, o segundo motivo foi para eles mais impactante, sendo este a falta de ações de sensibilização sobre o tema.

Há (poucas) ações que já são dinamizadas por professores, muitos dos quais sentem precisar de maior formação no tema e por polícias. Falta um elemento muito importante para conseguir alertar os jovens para este tema: ser jovem. Por muito que um adulto possa perceber sobre assunto, serem os jovens a dialogar entre si tem vantagens enormes, pois é muito mais fácil para o público-alvo identificar-se.

Assim sendo os heróis continuaram a jornada, imaginaram o projeto, em reuniões quer online quer físicas, acabando por decidir por fazer um pequeno vídeo, do género gacha (uma forma de animação), com uma personagem a sofrer de cyberbullying , para assim alertar para o tema, vídeo esse que facilmente pode ser mostrado nas escolas e ser um inicio de um debate.

Estes heróis são fantásticos! Mas as vezes precisaram de uma ajudinha, especialmente na aventura que foi escrever a candidatura do projeto, e essa ajuda foi dada pelas técnicas do balcão de Setúbal do IPDJ, umas senhoras muito simpáticas que lhes ofereceram uma sabedoria e um apoio incrível, revendo inúmeras propostas e dando sempre dicas indispensáveis.

E depois? O que aconteceu aos nossos heróis e a sua missão? Fácil, estão ansiosamente à espera do recomeço das aulas para implementar o projeto e continuar a sua aventura. Esta história pode não ter um final, mas podemos aprender muito com os nossos heróis, nomeadamente que os jovens são capazes de tomar posições de liderança, de criar iniciativas incríveis, mas também de que a entreajuda entre todos, especialmente entre grupos etários e sociais diferentes é fundamental para um final feliz. 

Eu gosto desta história sem vilões, e podia ter havido um, a falta de confiança em nós, por sermos “pequenos heróis”, mas não houve, antes pelo contraio, recebemos todo o apoio necessário, e isso é importantíssimo, pois se há uma lição que podemos tirar desta aventura é que os heróis somos todos nós: jovens, técnicos de juventude, lideres de NGOs, professores, estudantes, entre outros, e quando os heróis se unem coisas maravilhosas acontecem!

João Brás